Seu corpo e suas palavras, no tempo histórico em que caminhou pelo mundo, o projetaram para uma imortalidade nos que seguem em luta pela emancipação popular
O Brasil e a América Latina têm um compromisso permanente com o legado deixado por Paulo Freire na busca em conjunto com os pobres, os oprimidos, das soluções deste mundo.
“Escolhi a sombra desta árvore para
repousar do muito que farei,
enquanto esperarei por ti.
Quem espera na pura espera
vive um tempo de espera vã.
Por isto, enquanto te espero
trabalharei os campos e
conversarei com os homens
Suarei meu corpo, que o sol queimará;
minhas mãos ficarão calejadas;
meus pés aprenderão o mistério dos caminhos;
meus ouvidos ouvirão mais,
meus olhos verão o que antes não viam,
enquanto esperarei por ti.
Não te esperarei na pura espera
porque o meu tempo de espera é um
tempo de quefazer.
Desconfiarei daqueles que virão dizer-me:
em voz baixa e precavidos:
É perigoso agir
É perigoso falar
É perigoso andar
É perigoso, esperar, na forma em que esperas,
porque esses recusam a alegria de tua chegada.
Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me,
com palavras fáceis, que já chegaste,
porque esses, ao anunciar-te ingenuamente ,
antes te denunciam.
Estarei preparando a tua chegada
como o jardineiro prepara o jardim
para a rosa que se abrirá na primavera.”
(Paulo Freire)
Neste dia, há 100 anos, nascia um homem de grandes ideias e que iluminou, a partir de Pernambuco, o Brasil inteiro com sua intenção amorosa de transformação. Paulo Reglus Neves Freire revolucionou a prática e as teorias de educação, influenciando em outras áreas como comunicação, cultura e política. Ele é, pela lei nº 12.612, o Patrono da Educação Brasileira. Seu corpo e suas palavras, no tempo histórico em que caminhou pelo mundo, o projetaram para uma imortalidade nos que seguem em luta pela emancipação popular.
A esquerda brasileira, os movimentos populares do Brasil e da América Latina têm um compromisso permanente com o legado deixado por Paulo Freire na busca em conjunto com os pobres, os oprimidos, das soluções deste mundo.
Podemos remontar aos anos 60 o início de uma ação educativa e cultural que via no povo a possibilidade de refazer e recontar a História. O marco deste conjunto de práticas, que vão de práticas comunicativas, culturais, educativas até políticas, é o seu comprometimento e engajamento em um projeto articulado pelo povo. Quando vemos a comunicação popular praticada pelos Zapatistas no México, o amplo processo cultural e educativo de erradicação do analfabetismo no bojo da Revolução Sandinista na Nicarágua e uma imensidão de outros exemplos históricos que colocam em marcha o legado de Paulo Freire de uma Educação do Oprimido, o que os diferencia é seu engajamento em mobilizações nacionalistas e libertárias, que centram no direito do povo e na soberania popular. Foi assim também quando a UNE empreendeu o Centro Popular de Cultura no início dos anos 60. Na mesma época, nos mangues, favelas e alagadiços do Recife, Paulo Freire empreendia o Movimento de Cultura Popular (MCP), em consonância com o projeto de transformação do governo de Miguel Arraes.
Uma educação, uma comunicação, uma ação cultural pautada expressivamente na mudança das relações que acondicionam a maioria da população, os trabalhadores, a uma posição de submissão material e simbólica. Este arcabouço teórico-prático inaugurado por Paulo Freire a que costumamos chamar Educação Popular Crítica, está sustentado num pilar fundamental: diálogo. O diálogo, para Freire, não está somente no momento da interação entre os homens, mulheres, educadores, mas na própria ontologia do ser, “em diálogo com o mundo” através do corpo.
A construção popular do conhecimento é a própria dialética: parte do corpo, dos sentidos, do que se sente na pele, para processar estas vivências em conceitos, aprofundamentos e sermos capazes de retornar à prática, desta vez sistematizando o conhecimento coletivo e transformando a realidade. É a luta dos povos, é a luta das mulheres, é a luta de toda e todo oprimido e explorado “que desperta com o sonho nas mãos”, como nos lembra o próprio Freire.
Em nome da memória de Paulo Freire, apontamos coletivamente o horizonte da retomada do Trabalho de Base, como parte da solução dos problemas que hoje atravessa o povo brasileiro. Isso depende intrinsecamente de trabalharmos para a participação massiva dos trabalhadores e trabalhadoras, da coparticipação e condução coletiva num processo de democratização do poder, da agitação das ideias socialistas e da permanente prática multiplicadora, vislumbrando a transformação da realidade vivida pelo povo e o despertar para a dignidade.
Combater as injustiças, anunciar a transformação, sonhar o novo mundo forjado por homens e mulheres livres. Abraçar Paulo Freire hoje é amar as gentes e resistir ativamente, a espera esperançando que ele retrata no poema.
Paulo Freire! 100 anos! Vive em nós e em nossa luta!
Por Rafael Soriano | Setor de Comunicação do MST