(*) por Luiz Alberto Santos
Embora o galo combatente seja objeto das mais calorosas e acirradas divergências entre ambientalistas e CRIADORES, como também entre os vários pesquisadores de diversas áreas, seja na História, Antropologia, Sociologia Direito ou Filosofia. Temos como exemplo pesquisadores como: Sergio Alves Teixeira e Misael Costa Correia que nos oferecem conteúdos que alimentam a esperança dos criadores, da mesma forma, existem muitos outros que se posicionam contrário as nossas manifestações culturais, mas, uma coisa podemos afirmar: todos são unânimes ao reconhecer esta ave como símbolo de uma cultura milenar.
Na condição de Presidente da Associação dos Criadores e Preservadores de Aves da Raça Mura do estado de Sergipe (ACMSE) alguém que cresceu cercado e envolvido com as práticas da Avicultura Esportiva e toda a sua simbologia, inclusive participando ainda quando criança das competições, algo comum em minha cidade natal. Na busca pelo crescimento intelectual fui obrigado a me afastar das atividades esportivas em decorrência da necessidade dos estudos. Ao retornar, na condição de criador, tamanha foi minha surpresa ao perceber que a Avicultura Esportiva não evoluiu, muito pelo contrário, vive dias ruins, quase em decadência. Quando em conversa, durante visitas aos criadores, pude perceber o desconhecimento das garantias asseguradas pelo nosso ordenamento jurídico, no tocante ao direito de criar e preservar tais animais. Além disso, percebi o desconhecimento e a total necessidade dos criadores de se fortalecerem enquanto categoria, para desta forma, sobreviver melhor à política impositiva e discriminatória, imposta pelos ambientalistas e ONGs que militam e têm sua bandeira na defesa do direito animal – vale ressaltar – apenas alguns seletos, o que não inclui a ave combatente brasileira.
É inegável que o galismo precisa de representatividade política, falta capacidade de mobilização e articulação que possa dar voz, de forma organizada, a esta categoria que insiste resistindo. Continuamos com a nossa demanda reprimida, seja por incapacidade de mobilização ou pela falta de conhecimento técnico, jurídico, antropológico etc….. Se não houver mobilização para disseminar e construir saberes, não iremos compreender a dinâmica e as regras que irão definir a continuidade, desta e de muitas outras práticas esportivas, que correm sérios riscos de serem extintas, em decorrência da ausência de representatividade. É preciso trabalhar em coletividade e nos fortalecer, através das associações e representações políticas, para podermos criar espaços de debates onde o GALLUS GALLUS possa ser melhor compreendido e aceito, seja através da sua relação simbólica ou da presença no imaginário popular, este animal precisa continuar existindo.
Logo, como podemos observar, a caminhada da ACMSE não será fácil, mas seguindo algumas virtudes que caracterizam nossa ave símbolo, iremos continuar firmes e altivos, levando informações até mesmo aqueles que se recusam, principalmente aos que se intitulam galistas e que pouco contribuem para a construção da melhor imagem do galismo, sergipano e brasileiro. Nossa missão enquanto entidade de classe, será lutar pela defesa e reconhecimento desta ave, símbolo das MANIFESTAÇÕES CULTURAIS BRASILEIRA. Preciso lembrar aos amantes do galismo e aos leitores, que a elevação da sensibilidade e humanização dos animais não surgiram aqui em nosso país, vários países da Europa, viveram e vivem, este acirramento no campo das garantias de livre celebração das práticas culturais que envolvam animais.
Além disso, percebemos que existe uma cronicidade e organização na execução destas agendas, as quais muitas vezes não se iniciam em nosso solo, as diretrizes são criadas por grupos que tem na sua visão de mundo, o único caminho para se chegar a verdade. Combater a todos que ousam discordar é um ato obrigatório e inquestionável. Prova desta postura se revela na ausência de tolerância dos ambientalistas em aceitar, ainda que em parte, os argumentos dos praticantes das manifestações culturais brasileiras: Vaquejada, Tourada, Corrida de Cavalo, Hipismo, Avicultura Esportiva…….preciso lembrar que as emoções são excelentes impulsionadoras da vida, mas são péssimas conselheiras da razão então, permitir que a sensibilidade e humanização dos animais anulem a nossa razão humana, não constrói pontes, muito pelo contrário, cria abismos que não colaboram para a prática do bom debate.
O nosso guerreiro empenado é representado e lembrado em vários períodos da história, seja através da Arqueologia: quando estuda e cataloga ossos destas aves encontrados em escavações na Ásia, seja através da Iconografia: quando nos apresentam vários relevos retratando combates entre estas aves, ou os próprios Hieróglifos: que mostram a presença destas aves em civilizações e sociedades antigas. Podemos também lembrar a importância do galo combatente na vida dos soldados Gregos e Romanos na antiguidade, quando o mesmo era apresentado antes das batalhas como símbolo de virilidade, força, determinação e coragem; virtudes incomensuráveis na construção dos valores que deviam forjar um verdadeiro guerreiro.
Não foi menos importante na música, na literatura e na religião; várias são as igrejas que tem a simbologia do galo presente em seu interior, algumas tem vitrais representados pelo galo, uma missa [ Missa do Galo] que recebe o nome deste combatente, um ponto alto na liturgia cristã, que tem para a igreja a incumbência de com o seu canto, anunciar o nascer e o despertar de um novo dia. Ainda demonstrando a importância do galo no imaginário popular brasileiro, lembremos a escolha do Galo pelo clube Atlético Mineiro, o qual apresenta o galo como mascote, por ser ele, portador dos atributos que melhor representavam os valores do clube: Raça, Valentia, Coragem e Força. Tudo isto para demonstrar ao torcedor que o seu clube jamais se permitirá ser derrotado, vencido talvez. A associação sergipana se reveste com as mesmas virtudes que caracterizam os valores deste guerreiro empenado, para assegurar aos seus aficionados a garantia de seguir firme na luta por valorização e reconhecimento desta ave, símbolo das manifestações brasileira, presença viva no imaginário popular e retrato nítido, presente no tecido social brasileiro.
Após percorrido todo este caminho devo admitir, com o advento da publicação da portaria Nº 1998, de 21 de novembro de 2018, pelo Ministro de Estado do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, concedendo garantias e reconhecendo o direito de criar e preservar estas aves, nota-se um crescimento das ações, tanto das ONGs, quanto dos órgãos governamentais na busca por tolher os direitos constitucionais que garantem a prática, como também a proteção desta espécie. Se estas aves têm em sua existência a necessidade do combate, impedir a expressão do inatíssimo dos mesmos, impedindo o livre exercício das suas habilidades, negando o instinto natural da mesma, chega a ser criminoso, algo inaceitável diante do vasto acervo que trata da sua existência belicosa. Reconhecendo as qualidades inatas desta ave, o que os amantes e aficionados da Avicultura esportiva fazem na ausência de uma REGULAMENTAÇÃO é, dar a estas aves a igualdade no combate, atendendo desta forma, a uma das suas fundamentais necessidades junto as suas características e peculiaridades únicas.
A nossa Constituição da República no ART. 215 diz que “o estado garantira a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso as fontes da cultura nacional, e apoiara e incentivara a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Segue em seu parágrafo 1º “o estado protegera as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. Crente que o galo de briga é o cavalo de corrida do pobre, como discriminado por Machado de Assis, vem a ratificar que este animal faz parte do conjunto simbólico que dá sustentação a existência das manifestações culturais no Brasil. Ainda seguindo na tentativa de assegurar os direitos concedidos pela nossa Carta Magna no tocante a esta ave, símbolo da cultura urbana e rural brasileira.
Vamos avançar um pouco mais e citar o ART. 225 “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de defende-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações”.
Acreditando que esta ave é reconhecida e catalogada como parte do nosso acervo ambiental, inclusive com reconhecimento pelos técnicos do CTBEA/MAPA, nos leva enquanto associação a exigir o cumprimento destas garantias quando do descumprimento das mesmas pelos órgãos competentes. O que vem acontecendo com frequência, inclusive com a participação do Ministério Público. A lei 9.605/98 em seu ART 2º imputa a prática de crime, a quem sabendo da existência da prática de eventuais crimes, deixa de agir na tentativa de impedi-los. Aqui exige-se uma pergunta: o cumprimento destas leis só serve para os galistas e seus animais? Vários são os depoimentos e vídeos de criadores que tiveram suas aves apreendidas e que foram executadas de forma sumária. Isto quando ficam sabendo sua destinação, na maioria das vezes, até acesso a informação é negada, mesmo sendo o criador parte no processo.
A lei 13.052/2014 revoga o ART 25 da Lei dos Crimes Ambientais e assegura que:
Parágrafo 1º “os animais serão prioritariamente liberados em seu habitat ou, sendo tal medida inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados”.
Mesmo diante de todas estas garantias, o que podemos perceber é o total descumprimento da mesma, quando em benéfico das referidas aves. Para chegar a esta certeza, basta acompanhar alguns telejornais ou fazer uma simples pesquisa nas mídias digitais. A mesma lei no parágrafo 2º assegura que:
“ Até que os animais sejam entregues as instituições mencionadas no parágrafo 1º deste Art. O órgão atuante zelará para que eles sejam mantidos em condições adequadas de acondicionamento e transporte que garantam o seu bem-estar físico”.
Estas aves, quando objeto de apreensão, devem ter seus direitos assegurados, porém o que presenciamos é o total desrespeito para com a lei e para com o animal. Quando estas aves são objetos do inquérito, e são mortas antes do julgamento do mérito, não caracteriza um erro processual? Se no final da ação houver a absolvição teremos os animais de volta? Como se justifica este abate sumário das aves, sendo que as mesmas na condição de verdadeiros competidores estão vendendo saúde, anulando assim a questão dos maus-tratos? O que pudemos observar nas várias apreensões é que existe um sentimento velado de que todos que praticam ou participam da Avicultura Esportiva, são pessoas de baixo valor moral, o que pode ser totalmente desconstruído e desconsiderado se levarmos em consideração que temos entre os praticantes, pessoas das mais diversas camadas sociais, a exemplo de pessoas simples do povo, como também médicos, advogados, engenheiros etc.
Diante do cenário apresentado e da forte tendência da busca por criminalização, a associação acredita que o melhor caminho será a regulamentação desta prática esportiva, que tem na constituição assegurado o seu direto; se é dever do estado proteger as manifestações culturais e assegurar um ecossistema equilibrado, garantindo o acesso das presentes e futuras gerações, insistir com esta conduta não seria descumprimento da lei e negar as futuras gerações o acesso a este patrimônio genético e cultural? A avicultura esportiva tem em suas práticas, valores e costumes, verdadeiras expressões culturais, a quem interessa negar este direito?
Não existe em nosso ordenamento jurídico a tipificação do crime de exposição para Seleção para Reprodutores, sendo que a nossa CONSTITUIÇÃO FEDERAL, mais uma vez, surge na defesa da nossa ave combatente quando assegura no art. 5º, Inciso II que: ” Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Na defesa do entendimento da Associação Sergipana o inciso II se soma ao Inciso XXXIX quando afirma: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal”. Que fique bem claro, a associação sergipana na condição de uma entidade de classe busca, ser uma voz na defesa dos criadores, assegurando aos mesmos e as nossas aves o direito que está assegurado em nossa constituição e em nosso ordenamento jurídico vigente. Tudo que buscamos é ter assegurado o mesmo tratamento que se estende a outros grupos.
Alimentar a esperança de ser alcançado pela dignidade da pessoa humana não é utopia ou delírio, “construir uma sociedade livre, justa e solidaria”, passa pelo equilíbrio em aceitar a convivência com os diferentes. Parafraseando Nietzsche, o galismo não é algo “desumano” é sim uma atividade “humana demasiadamente humana” e o mesmo não caminha solitário Johan Huizinha, assegura o jogo como uma manifestação presente em toda atividade humana, o simbolismo da Seleção para Reprodutores deve ser visto como uma prática cultural que assegura a representação e identidade, assegurando a liberdade das expressões que se manifestam através da alegria e prazer na materialização do lúdico, tudo de forma voluntária, onde a emanação dos afetos torna o ambiente um espaço sagrado. O sorriso, a alegria, a acolhida, a motivação, o êxtase, tudo envolvido para divertimento dos confrades presentes ao jogo ritualístico.
Encerro a minha argumentação, citando duas personalidades de grande vulto, as quais muito colaboram para a defesa argumentativa desta ave, símbolo de resistência. Santo Tomás de Aquino, quando diz que: “ não existe pecado algum, quando permitimos que uma coisa viva, para a finalidade para a qual foi destinada” e Abraham Lincoln, quando reforça que: “ se Deus os criou com esse instinto e habilidades para combater, quem sou eu, mero mortal, para os privá-los de tal direito”?
(*) Luiz Alberto Santos é Presidente da ACMSE.
79-99802-9496