Neste sábado (24), o município de Pirambu, localizado a 30 km da capital sergipana, foi palco da maior manifestação da juventude que a cidade já presenciou. Os jovens organizaram o primeiro torneiro de brega-funk do Estado.
Movimentos desse tipo têm crescido em todo o Nordeste, desde a pujança do ritmo brega-funk ao nível nacional, mas aqui em Sergipe a iniciativa da juventude sofreu severas retaliações na internet. O assunto virou até caso de polícia, quando um perfil policial do Instagram reportou o ocorrido como crime e ainda informou que provocaria o Ministério Público Estadual (MPE) e Conselho Tutelar para intervir no caso, incitando a revolta dos internautas, sem abrir espaço para explicações do outro lado.
Ao ver seus filhos nas páginas policiais, os pais procuraram a “Tribuna da Praia” a fim de requerer o direito de resposta negado pelos paladinos da moral e dos bons costumes da internet.
Apresentação da campeã da batalha Brega-Funk
A dona de casa, Margareth Lima Alves, diz que ficou chocada ao receber informações de que fora recriminada por ter permitido a participação da sua filha no evento. “Eu não vi nada demais. Esse movimento está ocorrendo em todo canto do Brasil, mas agora querem me transformar em criminosa para tirar proveito político”, disse.
Dona de casa, Margareth Lima Alves
Já Jamile Silva, mãe de uma das crianças que estava no palco, relatou que “quando acabou o evento, minha filha subiu no palco para brincar com os amiguinhos e eu permiti. Não vejo maldade nisso. Achei até muito fofo. Agora o desrespeito é usar a imagem dela sem autorização de forma pejorativa”.
O brega-funk se encontra, hoje, entre os ritmos musicais mais escutados do Brasil. Mais do que música, ele é o som de resistência dos artistas negros e periféricos da região Nordeste. A represália sofrida neste final de semana em Sergipe remete diretamente ao racismo estrutural que assombra outros ritmos e manifestações culturais que brotam na periferia e são abraçados pela negritude, tais como o funk, o RAP e o candomblé.
De acordo com o professor, Fernando Israel Fontanella, especialista em cultura digital e cultura pop, em estudo publicado no Repositório Digital da Universidade Federal de Pernambuco, a condenação do brega na verdade está ligada a uma resistência ao deslocamento de subalternos que tentam sair do lugar que lhes é definido pela hegemonia do gosto.
■ Pronunciamento da organização
O dançarino Davidisson Bispo (Dinho), idealizador do evento “Batalha Brega-Funk”, entendeu as críticas da internet como mais um exemplo, do que ele chamou de “garras do racismo estrutural” em Pirambu. “Não é novidade atos como esse que fizemos acabarem se tornando caso de polícia. Na maioria das vezes fica o saldo trágico para centenas de vidas pretas, jovens e pobres. A repressão moral que sofremos na internet foi tão violenta quanto aquelas batidas policiais nas festas de favela que a gente vê na TV.”, lamenta.
Davidisson Bispo (Dinho), dançarino e idealizador do evento “Batalha Brega-Funk”.
O artista esclareceu ainda que o torneio foi um evento público, ocorrido no início da noite de sábado e direcionado à juventude de Pirambu. As famílias aderiram ao movimento de forma espontânea, levando as crianças até lá.
“A sociedade branca tenta de toda forma nos pregar como marginais e criminosos, quando estamos simplesmente sendo o que somos em um momento de lazer: jovens e pretos. Nenhum pai ou mãe presente agiu com irresponsabilidade e nenhum de nós enxergamos aquelas crianças pretas da forma como abordaram. A maldade está no coração dessas pessoas que foram lá nos hostilizar na internet”, declara.
■ Nota da coordenação de campanha da coligação “Pirambu no Coração da Gente”
A coordenação de campanha “Pirambu no Coração da Gente” esclarece que não foi responsável pela organização do evento. De acordo com eles, os atos do último sábado brotaram do âmago da juventude e foram organizados por eles próprios. No entanto, a coordenação concedeu o apoio na divulgação e cobertura audiovisual do evento; declarou ainda que não abrirá mão de continuar prestando suporte aos jovens e aos eventos de manifestações culturais legítimas independente do viés religioso, de gênero ou raça.
Jamile Silva, mãe de uma das crianças citadas no vídeo.
■ Conselho TutelarEm nota de esclarecimento, o Conselho Tutelar de Pirambu informou que tomará providências a respeito do evento “Batalha Brega-Funk”, e que não foi notificado sobre o evento.
por Andréa Rosevell, jornalista