Na Bíblia, mais exatamente no Antigo Testamento, Messias, representa aquele que é ungido, uma espécie de Salvador enviado por Deus, destinado à Terra para salvar a humanidade desviada, resgatar, ou, no mínimo, mudar o mundo para melhor. A unção podemos caracterizar como uma forma de consagração de uma pessoa ou objeto para fins sagrados, por conseguinte, todas aquelas pessoas que fossem consagradas, ungidas, seriam identificadas simbolicamente como pessoas dedicadas às causas especias, a saber, as causas sagradas, divinas.
Na mesma toada do texto sagrado, o Messias virá sem avisar, quando menos esperarmos eis que ele surgirá¹, não haverá avisos nem sinais de alerta. As semelhanças do texto sagrado com o contexto recente da política nacional faz surgir um sentimento recorrente na população brasileira, qual seja, que irá surgir um salvador da pátria, alguém com superpoderes e capaz de resolver os problemas seculares [históricos] da nação. Aliás, o Brasil reúne vasta experiência em criar salvadores da pátria, queria entender o porquê deste sentimento nacional, mas acredito que nem Renê Girard² conseguiria explicar tal fenômeno social. Só para citar os exemplos mais vivos em minha lembrança, que vão do Brasil Colonial ao Brasil Contemporâneo, temos: Tiradentes, Zumbi dos Palmares; Dom Pedro I, Duque de Caxias, Getúlio Vargas, Lula e agora, Jair, “Ô Messias”.
Sutil é a forma como nossos heróis são mortos, física e simbolicamente, apenas para se ater aos fatos mais recentes, a transição de um herói para outro se dar em tom de canibalismo, isso mesmo, levamos ao extermínio o herói que se converte em culpado e damos vida ao novo herói em meio as cinzas do antigo. Uma espécie de pode expiatório³. Temos que matar o herói que se tornou causa do problema nacional – no caso do Brasil, o problema é a corrupção “apenas” do PT e em especial de LULA, o anti-herói – para extirpar o mal, o bode expiatório é a oferta para acalmar os deus, ou seja, tornando mais evidente, é a oferta para acalmar nossa elite do atraso4, que após saciados, criam novos apetites, criam a necessidade de um novo herói, e eis que surge Messias, conhecido pela alcunha de “Mito”.
Faz um tempo, que tenho evitado os diálogos de cunho político, não por desinteresse ao tema e sim pela polarização cristalizada entre as pessoas, que se propõe a fazer críticas [deveria ser a capacidade de fazer julgamentos alicerçados em critérios, mas na prática é o oposto] aos partidos políticos ou governos. Contudo, arriscarei emitir alguns comentários sobre o governo atual, alimentado pela certeza, que os amigos leitores contra-argumentarão com civilidade e sem arranhões.
O presidente atual tem como apêndice, Messias, no nome e na simbologia popular [ao menos de parte do eleitorado pátrio], pois o fenômeno que o catapultou a cadeira maior do Planalto se assemelha e muito ao salvador descrito no início desse texto. Não faz muito tempo era um anônimo, a nível de país, surgiu de modo inesperado e erguendo uma bandeira vibrante do moralismo político e de conversão das “almas pecadoras” que habitam o Congresso Nacional, ou seja, era o consagrado, o resolvedor das causas maiores que acometem todas as mazelas do Brasil e, como dito em parágrafo anterior, surgiu em meio a decapitação do herói nacional, LULA, o pode expiatório. A questão é que o sacrifício do político do PT não resolveu os problemas de origem, apenas atenuou a euforia dos “judeus a gritarem, crucifica-o!”, calma, não quero comparar Lula ao Cristo, faço apenas uma analogia bem humorada ao povo brasileiro.
Quero, aqui, alertar o nobre leitor, política não se discute nem se analisa com paixão e sim com sentimento de republicanismo, do contrário, estaremos fadados a pôr vendas em nossos próprios olhos, e não muito distante, tropeçaremos ou cairemos no abismo da nossa ignorância. E como diz, Barack Obama, “tanto na política como na vida, a ignorância não é uma virtude”5. Vamos aos fatos, à luz da verdade, todos os presidentes possuem contribuições ao país, até aqueles mais taxados de ímprobos tem serviços prestados, basta procurar com zelo e imparcialidade, com o Bolsonaro não será diferente, ao final da sua delegação certamente haverá de se encontrar aspectos positivos, mesmo porque, seria uma deselegante injustiça com um homem que tem Messias no nome. Afinal, se até Hitler6 tem aspectos positivos no governo, basta analisar o crescimento econômico vivido na Alemanha nos anos do seu governo e a forma como a indústria bélica resolveu a problemática social, desemprego e baixo crescimento da economia. Imagino o que o leitor deve estar imaginando, péssimo exemplo, sei que soa como algo do tipo, corta-se a árvore para comer o fruto, contudo meu esforço é para mostrar que aspectos positivos existem em todos.
Vamos afastar algumas conjecturas. Será que Bolsonaro vai atacar duramente a corrupção no país? Vai empunhar a espada da justiça e cortar a cabeça do dragão feito São Jorge na Lua? Sejamos honestos, não há um mínimo de possibilidade dele abalar a doença nacional, o câncer do Brasil, como diz Marco Ruffo7. Afinal, estamos falando de um monstro artificial criado desde a dominação portuguesa até os dias atuais. O Brasil desde seus primórdios deu vida e tem alimentado o mostro do “jeitinho”, das afinidades, das promoções por parentescos e simpatias, e, o próprio presidente tem dado sinais de cansaço ao desviar das chamas do dragão, não acredito que vai vencê-lo em quatro anos, inclusive, não afastou esses caprichos do próprio governo, quiçá, tenha o alimentado em demasia, fortalecendo-o.
O sucesso de um governo não advém de milagres, de salvadores da pátria, não nasce da negação dos feitos dos presidentes anteriores, não brota de acusações alheias e sim das conquistas progressistas, dos avanços tímidos e consistentes, mas de impacto para o crescimento da nação. E, sejamos francos, esses avanços não são frutos do acaso, como diz o Capitão Nascimento8, nunca serão! Jamais serão! Como é o caso do governo atual, que poderíamos chamar de “aborto momentâneo” [expressão cunhada por mim]. Explico melhor, o presidente atual não é resultado de uma trajetória racional, de um planejamento de grupo ou de um partido, talvez, a melhor explicação para a chegada do presidente a rampa dos ministérios seja o desvio de rota não previsto no plano arquitetado pelo bloco hegemônico no poder9. Atentem para a mentalidade de sucessivas tentativas e erros do presidente, vários ministros designados aos postos de comando, frustrados em poucos dias, meses… o desalinho recorrente dos discursos do presidente e de seus ministros. Estamos diante mais de um general à frente de um regimento, que de um comandante planejando as batalhas sucessivas de uma guerra; ouve-se mais gritos de, SENTIDO! Que sussurros estratégicos.
Sem querer desestimular os sequazes do presidente Bolsonaro, mas vale ressaltar, que o presidente detém o governo, a caneta bic azul, porém não tem nem migalhas do poder, e, caro amigo, sem o poder nada se faz. Chegou à presidência feito um meteoro que caiu, feito leite que transborda ao ferver [rápido demais], sem que houvesse tempo necessário para esboçar sequer um plano de governo, acredito que não houve tempo nem para um plano de ação. Ouso comparar a gestão da nação à gestão de uma empresa, claro que respeitadas as proporções, e destaco que as empresas não nascem do tamanho que são, elas vão crescendo com o tempo, com muito trabalho e esforço, sendo direto, há tempo para os gestores entenderem que precisam de investimentos em tecnologia, capacitação de pessoal [inclusive, como resultado de seleção e recrutamento cada vez mais rigorosos], melhoria na logística, relações e parcerias com fornecedores, investimento em marketing, planejamento estratégico, organização, direção e controle, equipes capazes de perceber as mudanças nas preferências, valores e comportamentos dos consumidores… ufa!
Olhando para o quadro comparativo acima, podemos notar que não dar para uma administração familiar [pura semelhança com o governo federal] assumir o comando de uma grande corporação de forma inesperada e acreditar que ela possa prosperar, o mais provável é que siga ladeira abaixo. Aqui reside apenas uma opinião, pois não sou analista econômico nem cientista político, na verdade, torço genuinamente com um misto de fé e realismo, que, lá no final, esteja totalmente errado. Desejo veementemente que Bolsonaro dê certo, pois quem ganha é o povo desta nação. Por fim, meu endosso último, quero mesmo é ser surpreendido em minha análise, pois do contrário, vou dar minha mão à palmatória e reconhecer que nosso Bolsonaro é verdadeiramente o Messias ou, no mínimo, estaríamos diante de uma espécie de Francis Underwood10 à brasileira. Apesar da performance do presidente, até o presente, mais se assemelhar a Príapo¹¹, nosso anti-herói.
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José Ailton Santos | Olhar Panoptico