Artigo: O crime do Trem do Subúrbio

Artigo: O crime do Trem do Subúrbio

por Carlos Pronzato (*)

O Trem do Subúrbio de Salvador é um patrimônio dos brasileiros, cuja ferrovia foi inaugurada em 1863, que à época ia de Salvador até Juazeiro, sendo a primeira linha de trem da Bahia e a quinta do Brasil. Pois bem, na segunda-feira 15 de fevereiro o trem foi desativado, perfazendo a sua última viagem às 19 h do sábado 13 de fevereiro – já que aos domingos não funciona -, partindo da Estação da Calçada em direção à Paripe. O fim dos seus 158 anos de História se deveu ao início das obras para a construção de um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), antiga reivindicação dos usuários e produto de uma PPP, Parceria Público Privada entre o governo baiano e uma empresa chinesa, que no contrato inicial tinha um custo de um bilhão e meio de reais e hoje está orçado em dois bilhões e meio, mistérios dos negócios deste tipo. Mas é aqui que muitos moradores da região advertiram a mudança grosseira na sigla do novo veículo a ser implementado daqui a dois anos, já que a propaganda – enganosa – do governo baiano inventou outra denominação para o VLT, transformado agora em Veículo Leve de Transporte. E porque tal mudança? Porque o projeto inicial contemplava um autêntico VLT, ou seja, um veículo leve sobre os trilhos da ferrovia quase bicentenária e o Veículo Leve de Transporte (sic) é um monotrilho da família rodoviária que corre elevado a vários metros do solo sobre uma viga de concreto com pneus, retirando definitivamente os trilhos para a construção das pilastras de cimento, a cada 30 metros, para a sustentação do veículo, numa contundente agressão paisagística à belíssima Baía de Todos os Santos, que poderia ver correr nas suas margens um trem modernizado com o valor investido nessa obra. Já o VLT tradicional, que circula em diversas partes do mundo, desliza em superfície sobre os trilhos, aproveitando o traçado – reformado há poucos anos – já estabelecido destes e ainda permitindo o trânsito de outros tantos tipos de veículos, como acontece com o VLT no centro do Rio de Janeiro, integrado organicamente na paisagem automobilística, pedestre e arquitetônica secular da ex Capital Federal.
Quanto ao grave transtorno social causado na população de baixa renda do subúrbio pela paralização do trem, nem o governo estadual e nem o municipal adotaram medidas alternativas de locomoção e aqueles que pagavam 0,50 centavos para fazer o percurso da via férrea passarão a pagar os R$ 4,20 das empresas de ônibus. A modernidade, assim, chega ao subúrbio montada no lucro exorbitante das empresas estrangeiras e o desrespeito a um patrimônio federal por parte do governo do Estado, que, se a Justiça tivesse algum peso, já teria embargado a obra e enquadrado o assunto como crime de Estado.

(*) Carlos Pronzato
é cineasta documentarista e escritor
Sócio do IGHB
carlospronzato@gmail.com

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