É inadmissível a classificação persecutória e misógina de “estupro culposo” que inocentou o empresário catarinense do crime de estupro contra a jovem Mariana Ferrer. O Brasil se encontra entre os países mais violentos para as mulheres. Somente em 2018 foram registrados 180 casos de estupro por dia, o que significa mais de 66.000 casos em um ano, sendo que 54% das vítimas tem menos de 13 anos, cerca de 81% são do sexo feminino e 51% são mulheres negras (dados do 13° anúario de Segurança Pública, 2018).
Não existe nenhum caso de estupro em que a culpa seja da vítima, como foi apresentado de forma extremamente violenta pelo o advogado do empresário, ao expor fotos da jovem na internet. Não importa o conteúdo das fotos de Mariana, é um direito dela se vestir e tirar fotos como quiser. Isso não é um convite para ser estuprada e de forma alguma pode servir de justificativa para a violência praticada. Ela tem todo direito a seu corpo e sua imagem. Para além disso, ainda é apresentado que a jovem perdeu o emprego no último período, como mais uma justificativa para inocentar o empresário, que além de estuprar, drogou a jovem para consumar o ato.
Estamos em um país assolado pelo desemprego estrutural e as principais vítimas de estupro são aquelas em piores condições de vida e trabalho. A decisão judicial reforçará ainda mais a possibilidade de culpabilização das mulheres e a permissividade do estupro. Estudo realizado pelo Fórum de Segurança Pública em 2016, mostrou que 43% dos brasileiros do sexo masculino maiores de 16 anos acreditam que “mulheres que não se dão ao respeito são estupradas”.
O problema é a estrutura social na qual vivemos, onde o corpo e a vida das mulheres são colocadas como pertencentes aos homens – principalmente aos homens brancos – e como passíveis de serem violentados como forma de demonstração de poder. A possibilidade de liberdade sexual precisa ser perseguida, violada, a fim de manter essa estrutura patriarcal, machista e exploradora, que além de utilizar o trabalho reprodutivo não pago das mulheres (trabalho doméstico, maternal e amoroso), também nos reserva os piores e mais desgastantes trabalhos, bem como menores salários devido à condição de gênero, sexual e racial.
Outra questão fundamental no caso é a condição de classe do acusado, um empresário branco, que tem todas os recursos de pagar um advogado para defendê-lo e que conta com a moral burguesa e classista que o apresenta como “superior” devido à sua condição econômica, de gênero e cor. Se fosse um homem negro da periferia, provavelmente já estaria na prisão, sofrendo com a violência da polícia ou até mesmo morto. A lei não é igual para todos e muito menos justa, ela serve a uma classe.
Nesse contexto extremamente violento para as mulheres, é um absurdo que as mulheres que sofrem com essa violência e ousam romper o silêncio e buscar justiça, sejam submetidas a tantas outras violências, como ver seus agressores inocentados, o que faz que muitas delas sofram sozinhas e não busque justiça para seus casos.
Manifestamos nosso total apoio e solidariedade a Mariana Ferrer e seguimos em luta pelo fim da cultura do estupro e de todas as formas de violência contra as mulheres.
Coordenação Nacional do Coletivo Feminista Ana Montenegro